Planeta Bola… Temos que falar da Atalanta

– No embalo cinematográfico, como sempre faz o grande amigo Dr. Raphael Pires, hoje a coluna “precisa falar sobre Atalanta”, como o diretor Lynne Ramsay precisou falar sobre Kevin em meados de 2012.

– Assim como o excelente filme, o excelente time italiano merece todos destaques e louros pela impecável temporada atual e, ao contrário dos temas mais pesados e sombrios da obra literária adaptada ao cinema, o time de Gian Piero Gasperini é a realização de uma utopia futebolística, um futebol alegre e agressivo.

– Não foi fácil. O trabalho de Gian Piero (foto) começou devagar e vem colhendo os frutos nas últimas temporadas, sendo que quando o treinador chegou ao clube – 2016/2017 – não havia sombra do time que hoje encanta o mundo a partir de Bergamo.

– Além de ideias modernas, o ex-meio campista trouxe ao comando técnico uma visão mais abrangente do futebol, reinventando o “garimpo” de atletas subutilizados ou, até mesmo, inutilizados, mas de ótimo valor agregado, transformando o time de Bergamo em uma potência que merece ser respeitada.

– Embora de complexa realização, os conceitos aplicados pela Atalanta são relativamente simples de se notar: o time atua em esquemas com três zagueiros, deixando um sobrando e dois caçando junto dos demais jogadores, em quase todo tempo, com marcação individualmente e muita pressão.

– Ao contrário do que tem se tornado tradicional, a equipe italiana tem jogadores pré-definidos para marcar adversários também pré-definidos e conta com preparo físico invejável para que o time faça essa marcação individualizada já no campo de ataque.

– Com a bola, a Atalanta depende da criatividade de “Papu” Gómez, o típico articulador argentino: baixo, rápido e extremamente inteligente.

– Posicionado entre a linha de zaga e os volantes, Gómez faz toda a magia acontecer com passes para a verticalidade de Muriel ou a força de Dúvan Zapata, o grande matador do time.

– Mas não é só. Ao melhor estilo Guardiola, o time de Gasperini cria uma “bagunça organizada” ao lançar volantes e, por vezes, zagueiros ao ataque em busca de criar espaços para os companheiros conseguirem uma finalização limpa.

– A Atalanta é hoje uma tentativa muito bem sucedida de se realizar o “futebol total” de Rinuls Mitchels e da Holanda de 1974.

– É óbvio que o saudosismo irá impedir muitos de verem o que venho narrando, dirão até que estou em outra dimensão ao comparar o carrossel holandês com a equipe italiana, porém, lanço o desafio: assistam a cinco jogos da Atalanta e me digam se não encontram similaridades latentes e, ao menos, a mesma ideia de futebol.

– Vale ressaltar aos desavisados que a equipe de Bergamo é hoje a terceira colocada do Campeonato Italiano (9 pontos atrás da Juventus) com absurdos 94 gols marcados em 34 jogos, além de que é a adversária do PSG nas quartas-de-final da Champions League e tudo isso com relevante diferença de investimento e folha salarial para com os seus adversários.

– A título exemplificativo e para auxiliar na comparação dos feitos da equipe em comento, segundo matéria do portal UOL, de 19 de fevereiro deste ano, a folha salarial da Atalanta gira em torno de 29 milhões de euros, algo próximo dos 136,3 milhões de reais, o que corresponde a 10% da folha salarial da Juventus, sua concorrente no Italiano, e aproximadamente um terço do salário de Neymar, que, segundo matéria da revista Forbes, recebe a monta de 70,5 milhões de dólares por ano (R$ 349,88 milhões).

– É esse o tamanho do feito da Atalanta: uma equipe modesta e organizada para atacar, ser agressiva e vencer os adversários, um time que entendeu suas virtudes e seus pontos fracos e, ainda assim, joga com quem for e aonde quer que seja para vencer, sufocar e fazer os gols.

– A Atalanta comandada pelo excelente Gian Piero é o destaque da temporada e, tal qual a Holanda de 1974, mostrando o quanto o futebol é injusto, o time nerazzuri pode finalizar a histórica temporada sem erguer uma taça. Ah, futebol…

Fraternal amplexo.

RENAN BINOTTO ZARAMELO

Advogado e jornalista