28 de agosto de 2022. Seis e meia da manhã. Em frente ao Residencial Ipês Amarelos. Começava naquele domingo o Projeto Propósito. O executivo da área de tecnologia Hugo Leonardo Sousa Farias, então com 43 anos, dava o play no desafio de correr uma maratona por dia durante um ano.
Muitos achavam que era uma loucura e que ele não aguentaria o ritmo. Um pouco de loucura ele até pode ter, mas errou feio quem apostou que a meta não seria atingida.
No próximo dia 27, aniversário de 148 anos de fundação de Americana, Hugo Farias completará as 365 maratonas consecutivas. Nem uma lesão muscular, perto da metade do projeto, foi suficiente para pará-lo.
Hugo tornou-se inspiração para quem gosta e para quem não gosta de esporte, de desafios. Para crianças, adultos e idodos. Não há como não admirar e aplaudir (em pé) a sua jornada.
Foram 26 pares de tênis, mais de um milhão de calorias “queimadas”, seis quilos a menos no peso corporal, entre outros números que deixam qualquer um de boca aberta.
Esta semana, terça (15) e quarta (16), dias em que fez as maratonas números 352 e 353, respectivamente, numa das mesas do Bike Hotel Sports, seu principal ponto de apoio, Hugo Farias conversou com O JOGO. Confira!
O JOGO – Quem era o Hugo Farias antes do projeto e quem é o Hugo Farias hoje?
HUGO FARIAS – O Hugo de um ano atrás era um executivo do segmento de tecnologia, que trabalhou 22 anos na área, foi feliz, realizado pessoal e profissionalmente, até que decidiu se arriscar, fazer algo diferente, algo de impacto que pudesse inspirar outras pessoas. O Hugo de hoje é uma pessoa feliz, realizada com o feito que se aproxima. O propósito deste projeto sempre foi inspirar pessoas e com o retorno que estou tendo da sociedade acredito que está inspirando. É meu primeiro empreendimento pessoal e estou muito feliz com o resultado. Enfrentei vários obstáculos, felizmente consegui vencê-los. E é sobre isso, é sobre acreditar, sobre ter foco, então, o Hugo de hoje é um Hugo que ele não tem o retorno financeiro, mas é um Hugo feliz por ter realizado algo impressionante.
O JOGO – O que e quem te moveu até aqui?
HUGO – Sou fã do Amyr Klink (navegador e escritor brasileiro), é uma das pessoas que me inspira. Quando decidi que gostaria de fazer alguma coisa, fazer algo diferente, quando comecei a refletir sobre o uso do meu tempo, teve um filme que me inspirou muito, que foi o “14 Montanhas”. Ai decidi que de fato queria fazer algo de impacto e veio a reflexão de correr uma maratona por dia. Fui pesquisar e descobri que um belga (Stefaan Engels) tinha feito isso entre 2010 e 2011, o que me motivou ainda mais. Decidi nesta segunda metade da minha vida, estou com 44 anos, se é que a possa dizer que é a segunda metade, fazer algo de impacto com meu tempo, deixar uma marca, enfim, inspirar pessoas.
O JOGO – Quais as maiores dificuldades enfrentadas no projeto?
HUGO – O período mais difícil foi o da lesão (muscular), por volta da maratona 150, quando precisei caminhar por cinco dias consecutivos. O que fazia em torno de quatro horas, levei oito, nove, dez horas para fazer. Ali foi um período, não que me questionei, mas que tive dúvida, tipo, ´será que vou conseguir, será que vou até o fim?’. Nunca pensei em desistir, mas ali foi um momento bem complicado. Previ riscos – um deles era o de uma lesão – e para eles tínhamos um plano de ação. Resolvi esquecer a preocupação e focar nas ações, envolver a equipe e buscar soluções. E deu certo. Este foi o principal momento de dificuldade, mas tem o resto, o dia a dia. Costumo dizer que o mais fácil é correr, difícil é o restante, com a família, com a questão social, com as obrigações, demais responsabilidades, mas felizmente estamos chegando.
O JOGO – O que deu forças para que você não pensasse em desistir?
HUGO – Larguei tudo por este projeto. Larguei uma carreira de 22 anos, embarquei minha família nisso, vários amigos apareceram também, é meu primeiro empreendimento pessoal e falei que iria até o fim. Estou fazendo isto não à toa. É a construção de uma nova jornada, de uma nova história. Os problemas sempre vão acontecer na nossa vida, em qualquer coisa que a gente se proponha a fazer. Importante é manter o foco, pensar nas soluções, não dar atenção aos problemas, é entender aqueles que aparecem, focando nas soluções.
O JOGO – De qual maneira você acredita que esteja inspirando as pessoas?
HUGO – Acredito que através das minhas atitudes, até no momento da lesão nunca reclamei. Sempre agradeci tudo que estava e está acontecendo comigo. E também as mensagens que a gente leva através do projeto. Corro com camisas que têm mensagens que me motivam e muitas pessoas se identificaram. O projeto é de corrida, mas fala de muita coisa. Fala sobre acreditar em você, acreditar que pessoas comuns são capazes de fazer coisas incríveis, acreditar que nada é impossível, é sobre legado, é sobre mudança de rota, é sobre foco, disciplina, atitude, determinação, sobre uma série de coisas positivas, auto-conhecimento. Acredito que tudo isso conectou com muitas pessoas e as tem inspirado em diversas áreas, não necessariamente na corrida. É um projeto que fala de bem-estar, de cuidar da saúde, que reflete na vida e na profissão.
O JOGO – Você acredita que vai sentir saudades de fazer uma maratona por dia? E o que pretende fazer a partir do dia seguinte em que completar a de número 365?
HUGO – É um misto de emoções. Estou feliz porque está chegando ao fim e triste também porque eu vou sentir falta disto aqui, mas ai a gente combina com os amigos para se encontrar e correr um pouco mais. Não pretendo parar de correr, vou continuar praticando atividade física, gosto, me identifico com isso. Pós-projeto vou ter um tempo para escrever um livro, pretendo dar palestras, vamos ver o que mais aparece pela frente. Uns dias depois da maratona 365 vou viajar com minha esposa, só eu e ela, as crianças vão ficar em casa. Agradeço muito a ela por este projeto, minha família, porque nada disso conseguiria fazer sem o apoio deles.
O JOGO – Você imaginava que teria tanta gente ao seu lado, correndo todos os dias? E qual a importância delas no projeto?
HUGO – Quando treinei, treinei sozinho porque não sabia o que ia acontecer, até porque é um fator mental você não depender das pessoas. Este é um conselho que dou para muita gente: quando for treinar, treine sozinho, isso fortalece sua mente. Felizmente, ao longo do projeto, apareceram muitas pessoas, fiquei surpreso, muitas que se identificaram e vieram correr junto. Criei um grupo de whatsapp, formei um staff, são pessoas que se voluntariam para me acompanhar, ou seja, dedicam parte de seu tempo para estar comigo no dia a dia. Sou muito grato por isso, muito feliz por ter conhecido cada um deles, isso me motivou demais, não só staff, todo time do projeto, todas as interações que tenho na rua, nas redes sociais, o carinho que as pessoas demonstram, isso certamente foi um gás a mais, uma motivação a mais para chegar até o final.
O JOGO – Você citou que está vivendo um misto de emoções. Consegue defini-las?
HUGO – Olha, felicidade pelo feito realizado, primeira vez que um brasileiro se propõe a fazer algo do tipo, fico feliz por estar fazendo isso, feliz também por ter conhecido muitas pessoas, feito novas amizades, não só em Americana, muita gente de fora. Hoje (quarta-feira, dia 16) veio um rapaz de Santa Catarina. Ele pegou um avião e veio aqui conhecer, correr. Este tipo de coisa não tem preço (emocionado)…
O JOGO – Isso não tem preço, tem valor né…
HUGO – É sobre isso. Óbvio que ninguém precisa correr um maratona por dia. Fiz isso para mostrar que se uma pessoa consegue correr uma maratona por dia, porque não consegue correr 5km, caminhar?! É sobre cuidar da sua saúde, sobre ter equilíbrio. Na vida, a gente precisa buscar o equilíbrio em tudo, na questão pessoal, na família, no trabalho, no lazer, nas atividades físicas.
O JOGO – Do que você abriu mão para realizar o projeto?
HUGO – Abri mão da minha carreira. Como executivo, tinha um salário, uma renda. Há mais de um ano não tenho renda. Tenho alguns recursos, que são finitos. Mudei, decidi estabelecer uma nova rota, liguei meu GPS e falei: ´vou por esta rota aqui.´ Uma rota alternativa. Estou feliz com o que estou fazendo, é o processo de construção de uma nova marca, a minha marca, construção de uma nova história. Acredito que a questão financeira vem com o tempo, é sempre uma consequência. Não paro por aqui, projetos novos virão mais pela frente, sempre olhando o impacto que a gente consegue fazer na sociedade e que possa inspirar mais pessoas.
O JOGO – Se arrepende de algo?
HUGO – Não me arrependo, mas há algumas lições aprendidas. A questão do timing do projeto. Iniciei em agosto do ano passado. É o segundo semestre. Então, as empresas, principalmente as que investem no esporte, definem o budget no ano anterior. Entrei praticamente no meio do ano e este é um dos fatores que explicam não ter conseguido patrocínio. Ano passado também foi complicado. Foi pós-pandemia, teve guerra na Ucrânia, teve eleição, teve Copa do Mundo, mas não estou triste não, estou feliz com o resultado. Consegui conhecer muitas pessoas do meio da corrida, do meio esportivo. E certamente levo todo este aprendizado para projetos futuros.
O JOGO – Faria tudo de novo?
HUGO – O Hugo Farias faria tudo novamente (risos). Na verdade, fará. Faremos novos projetos, novas aventuras.
O JOGO – Para finalizar: foi uma loucura?
HUGO – Foi uma loucura positiva, que esta história possa inspirar outros malucos, outros loucos por ai. Que as pessoas encontrem a loucura positiva que existe dentro delas.
Texto e fotos: Zaramelo Jr. | O Jogo