Afinal, deve-se usar máscara na Avenida Brasil?

Rogério Panhoca é referência no tratamento de covid-19 em Americana

Cartão postal de Americana, a Avenida Brasil concentra, diariamente, grande número de pessoas para a prática de atividade física, mais especificamente de corrida e caminhada. São homens e mulheres das mais variadas faixas etárias que usam a via para movimentar o corpo, de segunda a segunda, de maneira mais efetiva logo pela manhã e no final da tarde/início da noite.

Esse cenário já vem de longos e longos anos, mas agora, em plena pandemia, chama mais a atenção. Leitores do O JOGO passaram a questionar um aspecto importantíssimo: deve-se usar máscara de proteção para correr ou caminhar?

Semana passada, em dias distintos, o jornal percorreu toda a extensão da avenida e constatou que há pessoas que usam a máscara e outras que não fazem o mesmo. A equipe do O JOGO, inclusive, foi abordada por um homem que revelou que ele e a esposa deixaram de fazer caminhada pelo receio de contaminação.

O jornal procurou pelo médico otorrinolaringologista Rogério Panhoca, referência no atendimento de casos de covid-19 em Americana, para falar sobre o tema. Ele fez explanação esclarecedora, especificamente sobre a Avenida Brasil, mas suas orientações também podem (e devem) ser seguidas para outras avenidas e ruas da cidade.

Confira o posicionamento do Dr.Rogério Panhoca!

“Este assunto é bastante polêmico. Eu, longe de ser o dono da verdade, tenho apenas uma opinião pessoal e profissional.

Primeira coisa que pontuo é que o exercício físico é sim um poderoso aliado da nossa saúde, portanto, do nosso sistema imunológico. Quando realizado ao ar livre, é mais seguro do que em ambientes fechados. Reitero que é um grande aliado da saúde física, mental e emocional durante esse tempo de pandemia.

Parece bastante óbvio, para mim, que o exercício físico ao ar livre e de maneira individual, sem a proximidade de outras pessoas, seria idealmente realizado sem máscaras.

O grande problema é esse. Aonde que o povo consegue encontrar um lugar para praticar um exercício físico de maneira isolada, individual, para poder fazê-lo sem máscara?

A Avenida Brasil, que é o ponto em questão, é meu trajeto de ida e vinda de casa para o trabalho. Passo, no mínimo, quatro vezes por dia e entendo a preocupação do O JOGO em fazer esse tipo de orientação.

A mim, pelo que vejo, tanto no começo da manhã quanto no começo da noite, parece-me que a Avenida Brasil não está sendo apenas um local onde as pessoas praticam exercícios físicos. Me parece que está sendo utilizada como uma forma de encontros sociais, que estão todos proibidos. Neste caso, temos que pautar algumas coisas do ponto de vista médico.

Nesta situação que vemos o que está ocorrendo, eu diria que sim, o caminhar ou correr na Avenida Brasil deveria ser feito com máscaras tamanho o número de participantes que ali estão diariamente fazendo seu exercício físico. É um número realmente que chama a atenção de qualquer um.

Não podemos nos esquecer que existem vários tipos de máscaras. Vejo pessoas com balaclavas, vejo com máscaras cirúrgicas, vejo pessoas com máscaras de pano e vejo, inclusive, pessoas caminhando com a máscara tipo N95. Isso também precisa ser bem explicado aos leitores.

As balacavas e as máscaras de tecido muito fino, que dão realmente uma sensação de maior facilidade de respiração, elas também oferecem menor nível de proteção. Lembrando que a máscara não protege você que está usando, a máscara protege as outras pessoas dos seus fomitos, dos seus perdigotos. Então, é você protegendo o seu semelhante e não ao contrário. A máscara não está ali para te proteger e sim para proteger aos outros.

Ao mesmo tempo, o uso de máscaras do tipo N95 vai provocar alterações no seu metabolismo respiratório, com retenção de gás carbônico, como se fosse um paciente com DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica). Elas não são adequadas para a prática de esportes em hipótese alguma. Aliás, são máscaras que têm seu uso dentro de ambientes hospitalares, como UTIs e alas, onde, sabidamente, existe uma possibilidade grande de infecção ou de contágio.

Profissional de educação física, Rogério Pecchio usa máscara na avenida

Muito provavelmente, quem está lendo pode estar questionando no sentido de que “com a máscara eu não consigo correr, eu sinto falta de ar, é muito difícil para mim”. E realmente é!

Com as máscaras adequadas, em tecido de pano de gramatura fina ou mesmo uma máscara cirúrgica, você vai ter que aprender a viver esse novo momento de atividade física ao ar livre – mas, aglomerado -, que é o caso que estamos discutindo.

Isso não se aplica quando você está fazendo um exercício individual e em isolamento, em grande distanciamento. Mas nesta situação específica que me foi questionada, que é o exercício na Avenida Brasil, você vai ter que passar por um processo de adaptação, começando a fazer seus exercícios de maneira bastante lenta, bastante comedida, para ir naturalmente se adaptando à essa barreira para que consiga, depois de alguns dias ou semanas, fazer a atividade sem sentir os impactos da retenção do CO2 (gás carbônico). Isso para algumas pessoas é fácil e rápido, para outras é um processo mais demorado, mais longo, e que requer, como todo esporte, um processo de treinamento e adaptação.

Eu vejo sim, neste momento crítico que estamos vivendo, grandes ressalvas para essas “aglomerações esportivas” na Avenida Brasil. Eu entendo – e entendo bem – que a grande maioria das pessoas procura esse espaço por questões de segurança. É óbvio que é muito mais seguro fazer exercício numa avenida de grande movimento, onde os riscos inerentes à segurança são menores.

Mas a gente não pode deixar isso se transformar em zonas de aglomeração. É preciso manter distanciamento. E distanciamento durante corrida, durante atividade física, deve ser maior até do que em momentos que não estamos praticando esporte, quando nossa respiração não está, digamos, jogando nossos perdigotos, nossos fomitos a uma distância tão longe. A hiperpnéia causada pelo esporte também  facilita que perdigotos e fomitos acabem atingindo distâncias maiores.

De forma bem resumida, diria que o esporte é sim uma das grandes armas que temos de maneira individual para proteção e fomento da nossa saúde. Porém, não podemos deixar que isso se torne uma arma inadequada para contenção desse vírus tão intenso que estamos vivendo.

Desta maneira, entra em pauta a responsabilidade coletiva. Vamos nos proteger e também proteger aos outros, que é o caso específico do uso da máscara. É assim que penso.”

Avenida Brasil, há anos, movimenta esportistas de Americana